sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

O novo Apartheid


Querem acabar com futebol. E estão, aos poucos, conseguindo. O esporte do povo, o mais popular do planeta, caminha, aos poucos, para uma elitização incabível. Certa vez, quando morei na Austrália, conversando com um colega de casa, um suíço  sobre a importância do futebol no Brasil, eu disse que o estádio era onde as diferenças sociais e os problemas se superam. Era quando patrão e empregado se equivalem, pois, no momento em que seu time marcava um gol, não importa se a pessoa do seu lado é o seu faxineiro, seu chefe, ou alguém que você não conhece. Você a abraça como se fosse seu melhor amigo, comemorando o gol. Como no cemitério, durante aqueles 90 minutos, todos são iguais, compartilhando o mesmo sentimento.

Mas, como eu disse, era. Está evidente que os mandatários do futebol mundial querem elitizar o público do esporte. O esporte que sempre foi do povo, está hoje, representando a segregação que está implícita em nossa sociedade. O que era um refúgio das diferenças sociais, vai, aos poucos, se tornar mais uma ferramenta para sustentá-las. Alguns, que duvidam da inteligência do torcedor, têm a cara de pau de dizer que a seleção é para diminuir a violência nos estádios, ou para aumentar o conforto do torcedor. Estão nos chamando de idiotas.  Quanto à questão da violência, é, sim, necessário fazer uma seleção do público. Mas não pela renda. Primeiro porque é ingenuidade achar que os bandidos travestidos de torcedores, que geralmente se infiltram nas organizadas, são todos pobres. Ainda que fossem, sabemos que eles vão dar o seu jeito de ir ao estádio.

Além disso, hoje em dia, as brigas acontecem em todos os lugares, menos nos arredores do estádio. Brigas acontecem à mais de 10 km dos estádios e em dia que nem jogo tem. A seleção de público neste caso é simples: faça-se cumprir a lei. E nem é necessário que se crie uma lei especial para o futebol. Usem as leis normais e punam quem tem de ser punido. Ora, apesar de não ser desejável, acho até que compreensível, que, vez ou outra algumas pessoas percam a cabeça e uma briga entre dois ou três torcedores aconteçam, afinal, futebol é passional. Não sejamos hipócritas, quantas vezes não tivemos que nos controlar para não fazer bobagem por conta de futebol? Tem gente que não consegue se conter. E acontece no Brasil e em qualquer lugar do mundo, existe até um psicólogo e sociólogo francês sobre isso. E no dia seguinte, as mesmas pessoas esquecem isso.   

Entretanto, pessoas armadas, que planejam brigas, que tem isso com premeditação, que invadem lojas, quebram patrimônio, isso é incompreensível, isso é banditismo. E a solução é simples: tratem o futebol como  a sociedade. Ora, se na noite, por um motivo ou outro, acontece uma briga, a polícia chega, leva todo mundo para delegacia e, caso não aconteça maiores consequências, todos dormem na cadeia e pronto. Se alguém exagera e  uma morte acontece, é preso.  Mas, se é por conta de futebol, a lei dá um passe livre aos bandidos. Não me recordo se foi a torcida do Palmeiras ou a do Flamengo,  que, revoltada com o desempenho do time, foi ao aeroporto, perseguiram os atletas e jogaram bombas. Pense. Se eu, cidadão comum, vou ao aeroporto, persigo alguém e solto bombas, a polícia federal vai me prender. Mas como o motivo é futebol, todo mundo fica impune, como ocorreu naquela situação. Não tem segredo, aplica-se as mesmas punições cabíveis à sociedade aos que usam futebol como escudo para violência. A partir deste momento a seleção está feita, gente de bem que vai torcer, estará no estádio, nos bares. Os bandidos na jaula, lugar deles.

O que querem, porém, é transformar o futebol brasileiro no futebol europeu ocidental, futebol que chegou ao absurdo de um clube (Manchester City) criar um braço em divisões inferiores, com ingressos mais acessíveis. O futebol de lá é excelente. Mas só dentro do campo, onde desfilam os melhores do mundo. Entretanto, quem gosta de futebol, quem vai em estádio desde criança, pelo menos eu, acho absolutamente entendiante as arquibancadas (aliás, cadeiras, já que sumiram com as nossos arquibancadas) destes estádios. Como em uma gigante quadra de tênis, se o time faz uma jogada boa, aplaude-se, depois senta-se em uma poltrona confortável e admira-se um espetáculo como se fosse um teatro. Nos camarotes, homens de terno e gravata, aproximam ainda mais aquele cenário  de uma ópera. A torcida, quase sempre, é silenciosa. Às vezes, conseguimos ouvir cânticos da torcida pela televisão.

Apesar de preferir o futebol praticado nessas óperas, prefiro as arquibancadas do leste europeu e da América do sul. Aliás, apesar de ter conhecido La Bombonera e o Monumental de Nuñez, nada me arrepiou tanto quanto entrar no Estádio Centenário de Montevidéu, que tem aquela aura do futebol. O espetáculo do futebol é feito pelo barulho da torcida, bandeiras, bateria, fogos, fumaça, papel picado, papel higiênico, pelas organizadas (sim sou a favor das organizadas), pressão à beira do gramado. Mas, os juízes e promotores acham que se combate assassinos proibindo bandeiras, proibindo bateria, proibindo as organizadas. Se o cara quer matar, ele vai matar por outro motivo. Assassino se pune com cadeia, nada mais.

Aqui punimos o povo, claro que sim, porque quem pode pagar os preços praticados hoje no futebol brasileiro, se quiser ir em todas as partidas, tem que ser rico. O estádio de futebol, como disse no princípio, tem que ser democrático. O clube precisa de receita, e acho legítimo que se tenha camarotes milionários, ingressos de 500 reais. Desde que se tenha espaço para assentos baratos, de 10, 15 ou 20. Mais, tem que ter espaços para o torcedor de futebol, tem que ter arquibancada. Particularmente, mesmo em casa, gosto de assistir jogos em pé. Nada contra quem gosta de assistir sentado, mas, em um espaço democrático, como sempre foram os estádios, deveria se ter lugares para os torcedores que gostam de pular, os que gostam de assentar, os que gostam ficar em pé.

Como se não bastasse esse Apartheid entre ricos e pobres no futebol; ora, se para ir um jogo uma família com dois filhos tem que se pagar mais de um salário mínimo, ou se um ingresso na Europa custa em média 100 euros, é, sim, uma segregação social o que estamos  vemos vendo nos estádios; o torcedor é mal tratado e desrespeitado. Porque o que torcedores de Atlético e Cruzeiro estão passando para adquirir os bilhetes é um absurdo, uma falta de respeito não só com o torcedor, mas como o cidadão e o consumidor. E não vou culpar dirigentes A, B ou C. A culpa é dos dirigentes A, B e C, todos eles. Dirigentes dos clubes (dos dois), da Minas Arena, do Governo do Estado, de todos eles.

A incapacidade de organizar uma venda de ingressos é lastimável. Mesmo com a picuinha ridícula da divisão de torcidas (para mim tem que dividir o estádio sempre - se no Independência, por sua setorização, não  permite o meio a meio, que seja 60% à 40%, uma torcida usando todos os portões da Pitangui, e outra todos da Ismênia), as pessoas responsáveis e, em tese, habilitadas, tiveram tempo, mais que de sobra para organizar uma venda decente de ingressos. Mas não. Eles preferem começar a venda para três dias antes do clássico, sem pontos de venda definidos, com gente já dormindo onde, possivelmente, seriam os pontos de vendas. No fim das contas, atrasaram a venda em quase 3 horas, que devem parecer mais de uma eternidade para quem, sob chuva,aguardava ali por 3 dias 

O sistema virtual de vendas, então, conseguiu ser pior. O site não tem estrutura para vender ingressos de futebol, afinal, se você é especializado nisso, deveria saber que o público de futebol é de 50 mil pessoas, e não 1 mil como um teatro. O pior, o sistema de vendas ficou travado por conta de Cavalos de Troia  Meu computador, que não tem a responsabilidade de lidar com cartões de crédito, e tem um antivírus comum detecta Cavalos Troia com a maior facilidade e não é infectado por um há anos. Mas o site da Futebol Card conseguiu ser infectado por 8 em menos de 30 minutos.

O site, no dia seguinte, estava dizendo que a venda pelo mesmo seria “em breve”, isso com um dia de atraso. Muitos, inclusive eu, reservei os ingressos, mas não consegui comprá-los, porque o site travava. Conheci gente que não conseguiu comprar porque o site travou na hora de validar o cartão de crédito. Não bastasse,  o site congestionado, passou a colocar o usuário em uma fila de espera de mais de 5000 pessoas. Quando estava para entrar no site, ele caía e você voltava para  o final da fila. 

Enquanto isso, voltando aos pontos de venda, filas e mais filas. Ingressos esgotados. Cambistas que ofereciam ingressos mesmo antes da venda começar. Para nós, atleticanos, um problema a mais. Os gênios colocaram à venda os ingressos da Libertadores para vender durante a venda antecipada para o clássico.

E isso tudo, porque uma família com dois filhos, paga, se tudo for o mais barato, mais de um salário mínimo para ir ao estádio. Nessas horas, cadê a Minas Arena, os dirigentes e  os direitos do consumidor? Viva ao país da copa.