Querem acabar com futebol. E
estão, aos poucos, conseguindo. O esporte do povo, o mais popular do planeta,
caminha, aos poucos, para uma elitização incabível. Certa vez, quando morei na
Austrália, conversando com um colega de casa, um suíço sobre a importância do
futebol no Brasil, eu disse que o estádio era onde as diferenças sociais e os
problemas se superam. Era quando patrão e empregado se equivalem, pois, no
momento em que seu time marcava um gol, não importa se a pessoa do seu lado é o
seu faxineiro, seu chefe, ou alguém que você não conhece. Você a abraça como se
fosse seu melhor amigo, comemorando o gol. Como no cemitério, durante aqueles 90
minutos, todos são iguais, compartilhando o mesmo sentimento.
Mas, como eu disse, era. Está
evidente que os mandatários do futebol mundial querem elitizar o público do esporte.
O esporte que sempre foi do povo, está hoje, representando a segregação que
está implícita em nossa sociedade. O que era um refúgio das diferenças sociais,
vai, aos poucos, se tornar mais uma ferramenta para sustentá-las. Alguns, que
duvidam da inteligência do torcedor, têm a cara de pau de dizer que a seleção é
para diminuir a violência nos estádios, ou para aumentar o conforto do torcedor.
Estão nos chamando de idiotas. Quanto à
questão da violência, é, sim, necessário fazer uma seleção do público. Mas não
pela renda. Primeiro porque é ingenuidade achar que os bandidos travestidos de torcedores,
que geralmente se infiltram nas organizadas, são todos pobres. Ainda que fossem,
sabemos que eles vão dar o seu jeito de ir ao estádio.
Além disso, hoje em dia, as
brigas acontecem em todos os lugares, menos nos arredores do estádio. Brigas
acontecem à mais de 10 km dos estádios e em dia que nem jogo tem. A seleção de
público neste caso é simples: faça-se cumprir a lei. E nem é necessário que se
crie uma lei especial para o futebol. Usem as leis normais e punam quem tem de ser
punido. Ora, apesar de não ser desejável, acho até que compreensível, que, vez ou outra
algumas pessoas percam a cabeça e uma briga entre dois ou três torcedores
aconteçam, afinal, futebol é passional. Não sejamos hipócritas, quantas vezes
não tivemos que nos controlar para não fazer bobagem por conta de futebol? Tem
gente que não consegue se conter. E acontece no Brasil e em qualquer lugar do
mundo, existe até um psicólogo e sociólogo francês sobre isso. E no dia
seguinte, as mesmas pessoas esquecem isso.
Entretanto, pessoas armadas, que
planejam brigas, que tem isso com premeditação, que invadem lojas, quebram
patrimônio, isso é incompreensível, isso é banditismo. E a solução é simples: tratem o futebol como a sociedade. Ora,
se na noite, por um motivo ou outro, acontece uma briga, a polícia chega, leva todo
mundo para delegacia e, caso não aconteça maiores consequências, todos dormem
na cadeia e pronto. Se alguém exagera e uma morte acontece, é preso. Mas, se é por conta de futebol, a lei dá um
passe livre aos bandidos. Não me recordo se foi a torcida do Palmeiras ou a do
Flamengo, que, revoltada com o desempenho
do time, foi ao aeroporto, perseguiram os atletas e jogaram bombas. Pense. Se
eu, cidadão comum, vou ao aeroporto, persigo alguém e solto bombas, a polícia
federal vai me prender. Mas como o motivo é futebol, todo mundo fica impune, como
ocorreu naquela situação. Não tem segredo, aplica-se as mesmas punições
cabíveis à sociedade aos que usam futebol como escudo para violência. A partir deste momento a seleção está feita,
gente de bem que vai torcer, estará no estádio, nos bares. Os bandidos na
jaula, lugar deles.
O que querem, porém, é
transformar o futebol brasileiro no futebol europeu ocidental, futebol que
chegou ao absurdo de um clube (Manchester City) criar um braço em divisões
inferiores, com ingressos mais acessíveis. O futebol de lá é excelente. Mas só dentro
do campo, onde desfilam os melhores do mundo. Entretanto, quem gosta de
futebol, quem vai em estádio desde criança, pelo menos eu, acho absolutamente
entendiante as arquibancadas (aliás, cadeiras, já que sumiram com as nossos arquibancadas) destes estádios. Como em uma gigante quadra de tênis, se o time
faz uma jogada boa, aplaude-se, depois senta-se em uma poltrona confortável e
admira-se um espetáculo como se fosse um teatro. Nos camarotes, homens de terno
e gravata, aproximam ainda mais aquele cenário de uma ópera. A torcida, quase sempre, é
silenciosa. Às vezes, conseguimos ouvir cânticos da torcida pela televisão.
Apesar de preferir o futebol
praticado nessas óperas, prefiro as arquibancadas do leste europeu e da América
do sul. Aliás, apesar de ter conhecido La Bombonera e o Monumental de Nuñez,
nada me arrepiou tanto quanto entrar no Estádio Centenário de Montevidéu, que tem aquela aura do futebol. O espetáculo do futebol é feito pelo
barulho da torcida, bandeiras, bateria, fogos, fumaça, papel picado, papel higiênico, pelas organizadas (sim sou a favor das organizadas), pressão à beira
do gramado. Mas, os juízes e promotores acham que se combate assassinos
proibindo bandeiras, proibindo bateria, proibindo as organizadas. Se o cara
quer matar, ele vai matar por outro motivo. Assassino se pune com cadeia, nada
mais.
Aqui punimos o povo, claro que
sim, porque quem pode pagar os preços praticados hoje no futebol brasileiro, se
quiser ir em todas as partidas, tem que ser rico. O estádio de futebol, como
disse no princípio, tem que ser democrático. O clube precisa de receita, e acho
legítimo que se tenha camarotes milionários, ingressos de 500 reais. Desde que
se tenha espaço para assentos baratos, de 10, 15 ou 20. Mais, tem que ter espaços
para o torcedor de futebol, tem que ter arquibancada. Particularmente, mesmo em
casa, gosto de assistir jogos em pé. Nada contra quem gosta de assistir
sentado, mas, em um espaço democrático, como sempre foram os estádios, deveria se
ter lugares para os torcedores que gostam de pular, os que gostam de assentar,
os que gostam ficar em pé.
Como se não bastasse esse Apartheid
entre ricos e pobres no futebol; ora, se para ir um jogo uma família com dois
filhos tem que se pagar mais de um salário mínimo, ou se
um ingresso na Europa custa em média 100 euros, é, sim, uma segregação social o que estamos vemos vendo nos estádios;
o torcedor é mal tratado e desrespeitado. Porque o que torcedores
de Atlético e Cruzeiro estão passando para adquirir os bilhetes é um absurdo,
uma falta de respeito não só com o torcedor, mas como o cidadão e o consumidor.
E não vou culpar dirigentes A, B ou C. A culpa é dos dirigentes A, B e C, todos eles.
Dirigentes dos clubes (dos dois), da Minas Arena, do Governo do Estado, de
todos eles.
A incapacidade de organizar uma
venda de ingressos é lastimável. Mesmo com a picuinha ridícula da divisão de
torcidas (para mim tem que dividir o estádio sempre - se no Independência,
por sua setorização, não permite o meio
a meio, que seja 60% à 40%, uma torcida usando todos os portões da Pitangui, e
outra todos da Ismênia), as pessoas responsáveis e, em tese, habilitadas,
tiveram tempo, mais que de sobra para organizar uma venda decente de ingressos.
Mas não. Eles preferem começar a venda para três dias antes do clássico, sem
pontos de venda definidos, com gente já dormindo onde, possivelmente, seriam os
pontos de vendas. No fim das contas, atrasaram a venda em quase 3 horas, que devem parecer mais de uma eternidade para quem, sob chuva,aguardava ali por 3 dias
O sistema virtual de vendas, então, conseguiu ser pior. O site não tem estrutura para
vender ingressos de futebol, afinal, se você é especializado nisso, deveria
saber que o público de futebol é de 50 mil pessoas, e não 1 mil como um teatro.
O pior, o sistema de vendas ficou travado por conta de Cavalos de Troia Meu
computador, que não tem a responsabilidade de lidar com cartões de crédito, e
tem um antivírus comum detecta Cavalos Troia com a maior facilidade e não é infectado por um há
anos. Mas o site da Futebol Card conseguiu ser infectado por 8 em menos de 30
minutos.
O site, no dia seguinte, estava
dizendo que a venda pelo mesmo seria “em breve”, isso com um dia de atraso.
Muitos, inclusive eu, reservei os ingressos, mas não consegui comprá-los,
porque o site travava. Conheci gente que não conseguiu comprar porque o site travou
na hora de validar o cartão de crédito. Não bastasse, o site congestionado, passou a colocar o usuário em uma fila
de espera de mais de 5000 pessoas. Quando estava para entrar no site, ele caía
e você voltava para o final da fila.
Enquanto isso, voltando aos pontos de venda, filas e mais
filas. Ingressos esgotados. Cambistas que ofereciam ingressos mesmo antes da
venda começar. Para nós, atleticanos, um problema a mais. Os gênios colocaram à
venda os ingressos da Libertadores para vender durante a venda antecipada para
o clássico.
E isso tudo, porque uma família
com dois filhos, paga, se tudo for o mais barato, mais de um salário mínimo
para ir ao estádio. Nessas horas, cadê a Minas Arena, os dirigentes e os direitos do consumidor? Viva ao país da copa.