quinta-feira, 18 de março de 2021

Meu filho vai ter nome de Santo




Estou em falta com o blog - mais um dos efeitos da pandemia - e isso, de certo modo, é desesperador. É angustiante ter tanto para falar e tão pouco tempo para dizer. Assuntos foram muitos, borbulharam, mas essa pandemia, fez a minha vida ainda mais confusa e corrida.

Estava até angustiado de ficar tanto tempo sem escrever e hoje, com muito atraso, vou falar de algo extremamente emocionante, atemporal e eterno: Victor.

O título da Libertadores de 2013 é algo tão épico que não se contentou – e nem podia – em se consumar em uma data só. A final, claro, teve que começar em um dia e terminar no outro.

Ainda no primeiro dia da final, na noite do dia 24 de julho de 2013, peito apertado pelo placar que teimava em não ser favorável, fiz algumas promessas com relação ao título. Apenas uma ainda não foi consumada: “Se eu tiver um filho, ele se chamará Victor”. Ainda não tive o filho, mas se tiver, será Victor, com certeza.

Sem ele, aquele sonho não seria possível. Os lances desconcertantes do Ronaldinho, os gols do Jô, os cruzamentos do Bernard, a frieza do Léo Silva, o faro do Tardelli, a raça do Donizete, a fé do Cuca; tudo isso seria absolutamente em vão não fosse o bendito pé esquerdo do Victor.

Sem medo de errar, ele, maior ídolo de toda uma geração de atleticanos, foi quem, em uma noite, mudou a história do Atlético, recolocando-o em seu devido lugar na história, após anos muito sofridos.

Aquele dia está fresco na minha memória e arrepio a cada lembrança. Era meio de um feriadão. Estava na roça. De lá fui direto ao Horto e para lá voltaria após o jogo. As máscaras da morte bombando – até hoje não sei afirmar se, no fim das contas, elas são sorte ou azar. O Tijuana abriu o placar. O Galo logo empatou e o Tijuana continuou se defendendo.

A primeira partida, 2 x 2. Havia, como há até hoje na Libertadores, o tal gol qualificado, ou seja, àquela altura, o empate era nosso. O primo do meu primo virou para mim na arquibancada:

- Não estou entendendo esses caras estão nem tentando atacar, eles estão sendo eliminados

- Cara, eles vão tentar uma bola no finalzinho, para o Galo não ter mais como reagir.

Então, em um lance muito estranho (à distância), o juiz marca o pênalti. Na minha cabeça, sem a menor noção de tempo, estava claro: “são uns 32 minutos, os caras vão fazer o 2 a 1 e a gente empata”. A alguns metros à minha esquerda, um senhor com rádio de pilha sobe as arquibancadas xingando: “Filho da puta, dá um pênalti desse aos 46 minutos”.

Ali me dei conta do tempo. Um frio gelado percorreu meu corpo. Até então, não me lembrava de uma defesa de pênalti do Victor com a camisa do Galo. E mais (inclusive havia falado sobre isso aqui à época): ele só pulava para o lado direito. 

Ele, como de costume, pulou para o lado direito, mas deixou o seu pé esquerdo para isolar a bola. Confesso, meu pânico ainda não havia terminado. Vendo todos os jogadores correndo em direção ao Santo Goleiro Victor, imaginei que estavam correndo para cima do juiz, que o desgraçado havia mandado voltar. Sério, me preparei psicologicamente para invadir o campo e ser preso!

Aí vi alguém chamando a atenção dos jogadores para a bola que seguia no campo de ataque, em cobrança de lateral para o Tijuana. Minha reação foi simplesmente falar a todos:

“Acabou. Somos campeões. Não precisa jogar o resto. Somos campeões.”

Fiquei com a adrenalina no corpo uns três dias e só de lembrar meu ânimo muda.

Estava muito certo: naquele dia fomos campeões. Naquele dia o Galo voltou ao seu lugar de direito e o Victor se beatificou a tal ponto de se tornar um dos maiores defensores de pênalti do futebol mundial (os números mostram isso).

 E quando falo que ele (Victor) foi o responsável por isso, gosto de lembrar o que o Mário Marra contou em um depoimento emocionado à ESPN, quando ele e o Léo Bertozzi lançaram seu livro "Nós Acreditamos". Ele disse que estava com o filho dele de 12 anos no Horto. Que na hora do pênalti ele queria ir embora, evitar tumulto e disse ao filho: “vamos, acabou”. O menino, que não viveu as agruras que vivemos, começando a formar suas memórias futebolísticas, respondeu com toda confiança e certeza do mundo:

“Não pai, ele vai pegar”.

Ali o Mário Marra, segundo ele mesmo, percebeu que havia uma mudança no mindset do torcedor do Galo e, obviamente, do time. O Galo não era mais o time que tudo dava errado. Não era mais o time que na hora que o imprevisto acontece, baixa a cabeça. Ali o time deixou de ser o "oh céus, oh vida" (caralho, entreguei a idade agora), para ser o time para o qual o impossível era apenas um vocábulo no dicionário. Ali começou o título da Copa do Brasil de 2014. Ali, voltamos à prateleira da qual jamais deveríamos ter saído.

Isso é o Victor. Este é o São Victor do Horto. Sim, ele merece uma estátua na porta da Arena MRV. Ele é cara e o símbolo da reconstrução do Galo, não podia ter outro destino que não seguir no clube. Tenho certeza que para qualquer atleticano seria inconcebível vê-lo com outra camisa.

E, confesso emocionado, a sua despedida foi algo marcante. Era como dizer adeus a um parente próximo. Como assim o Victor não é mais o goleiro do Galo? Como assim não pudemos nos despedir in locu? Maldito seja esse vírus!

 E aqui, com atraso, repito o apelo que fiz no Twitter: que com o Victor se aposente também a camisa 1. Afinal, ele será eternamente o camisa 1 do Clube Atlético Mineiro.

Obrigado, Santo.