"Capítulo 9: Atlético 1 x 1 Tijuana: O Homem de Gelo
vira santo
A justa empolgação com o heroico
empate inspirou uma ideia, surgida nas redes sociais, baseada no hit da torcida
“caiu no Horto, tá morto”. Os torcedores compareceriam ao Independência usando
a máscara da morte do Pânico. Criaríamos o ambiente de um cemitério realmente
aterrorizante, apesar de o embate parecer tranquilo. Com a partida no meio de
um feriado prolongado, eu estava no sítio, próximo a Sete Lagoas, e planejava
sair às 19 horas para assistir à grande e praticamente certa classificação do
Galo, com início às 21h50 no Horto. Com ingresso na mão, aproveitei o dia
tranquilo. Repus as energias com uma cochilada à tarde e, sozinho, deixei no
sítio os amigos, quase todos alvinegros, sob desejos de boa sorte. Para minha
surpresa, cheguei bem cedo, encontrei meus primos e, embalado com a empolgação
de torcida, comprei, como todos, uma máscara da morte.
Já pensávamos na semifinal. Tudo
parecia perfeito. O resultado no México e o retrospecto no Horto, espetacular,
animavam a massa a comparecer, apenas para saber de quanto seria a vitória e
como seria decidida a partida. Festa armada, rua de fogo, máscara do pânico,
mosaico e tudo mais. Dia de comemorar. A Arena Independência nos traz essa
confiança, às vezes excessiva. Esquecemos de pensar no adversário, vencedor em
2012 do forte campeonato mexicano, que, inclusive, tirou muitos jogadores do
futebol brasileiro. Esquecemos da maratona vivida pelo Galo, enquanto os Xolos
abandonaram o Apertura local para disputar a Libertadores há muito tempo. Quase
pagamos pela arrogância.
Logo no início, o Tijuana mostrou-se
melhor do que imaginávamos. Não seria tão fácil quanto supúnhamos. Quase morri
do coração, com o susto de um gol dos Xolos, logo anulado, para meu alívio.
Normal. O gol do Galo era questão de tempo, afinal, era o Horto. Mas foi o Galo
que tomou um gol. Nessa hora, senti algo ruim, um clima estranho. Geralmente,
quando sofremos o primeiro gol no Horto, mantenho a tranquilidade, certo de,
cedo ou tarde, a situação mudar. Naquela quinta, não. Quando a bola de Riascos
entrou, havia algo de diferente. Como últimos brasileiros na competição, a
falsidade da imprensa de fora de Minas me incomodava, abusando da maldita frase
“o Atlético é o Brasil...”. No final da primeira etapa, o capitão Réver empatou
o jogo. Não haveria motivo para medo. Mas, estranhamente, aquele sentimento não
se dissipava sob hipótese alguma, nem mesmo depois do empate. Partilhava o
clima estranho com a arquibancada. Estariam as máscaras contra a gente,
indicando nossa própria morte, vinda da América do Norte? O Galo parecia
acomodado com o resultado e não matou o jogo. Ao meu lado, alguém comentou:
“estranho, o resultado elimina os caras, mas eles fazem hora”. Minha língua
profética respondeu: “a esperança deles é marcar um gol no finalzinho e não dar
tempo para a gente reagir”.
O jogo continuava tenso, apreensivo.
Para nós, torcedores, corações na boca, a noção de tempo não existe. O medo
persistia, algo anormal para um jogo no Horto. Embora sem a mínima ideia de
quanto tempo ainda faltava, desejava logo o final do jogo, pois o resultado de
1x1 classificava o Galo. A equipe mexicana, como nós, usava bem a jogada de o
centroavante desviar chutões para armar ataques. Numa bola lançada para a
frente, houve esse desvio, a zaga atleticana falhou e Léo Silva derrubou
Riascos, o bom atacante colombiano, dentro da área. O juiz, com coragem
singular, apitou o pênalti contra a equipe da casa. A primeira reação mental,
por eu acreditar estarmos com uns 30 do segundo tempo, consistiu em imaginar
mais um empate garantindo a classificação nos minutos finais. Afinal, quem cai
no Horto está morto. Vi, então, uns dois torcedores ao meu lado deixarem o
estádio, aquilo também não era normal, bem como a demora para a cobrança da
penalidade e o excesso de reclamações. Na minha frente, um torcedor, ouvindo a
transmissão pelo rádio, xingou: “Puta que o pariu, um pênalti aos 47 do segundo
tempo”.
Gelei. Nunca senti tanto medo na
vida. Pela primeira vez, desde a inauguração do novo Independência, tive
pânico. Tremia, sentia a espinha gelar e, confesso, até hoje sinto, ao rever o
lance. Perderíamos. Durante a eternidade entre a marcação e a cobrança do
pênalti, vários filmes se passaram em minha mente. Não conseguia crer no
término do sonho. Logo ali, no Horto, onde matamos tanta gente. Não podia
acontecer. Terminaria a mística do Horto? Pior, o sonho da Libertadores, nunca
antes tão real, acabaria? Um adeus? Não me conformava. Havíamos chegado tão
longe e tão perto... Não poderia acabar ali. Mãos à cabeça e depois ao rosto,
entre o nariz e a boca, eu mostrava uma expressão nunca feita antes, misto de
terror e apreensão. Não sei a proporção de cada, mas, garanto, ambos me
consumiam numa quantidade insuportável. O silêncio no estádio era atormentador.
O Victor, goleiraço, desde quando chegou ao Galo, em pênaltis, só pulou para o lado
direito. Não me lembrava de nenhuma defesa dele em penais.
Não sabia se via a cobrança, se
virava de costas, se fechava os olhos. Simplesmente, não conseguia me mover,
não conseguia falar. Apenas mantinha as mãos na cabeça. O cronômetro já
registrava 48 minutos e 57 segundos quando Riascos, o melhor jogador da equipe
adversária, enfim, correu para bola. Juro, o coração parou de bater por alguns
milésimos de segundo. De longe, não vi bem o lance, onde bateu, mas vi a bola
subindo. Certamente, não havia entrado. Em seguida, ao ver os atletas em
direção ao juiz, pensei ter sido anulada a cobrança. Após intermináveis
segundos, a impressão se desfez. Os
jogadores corriam para abraçar o herói Victor. Ao meu lado, meus primos
choravam. Nem lágrimas para derramar, eu tinha mais. Não acreditava. Talvez
ainda não acredite. Todos comemoravam. O Victor defendeu. Sina de campeão, eu
pensava. A sorte, depois de nos pregar tantas peças, enfim a nosso lado,
merecia a retribuição do favor. O sonho continuava vivo. Para começo de
conversa, a máscara do Pânico, pelo menos a minha, nunca mais voltaria ao
Independência. Em repetidos gritos de “agora é nosso. Somos campeões, não tem
jeito”, eu externava o sentimento de termos, ali, consolidado a conquista da
Libertadores. Mal sabia quantas emoções a Libertadores ainda nos reservava...
A sorte da primeira partida nada
representava diante daquele momento incrível. O jogo acabou e a torcida,
ensandecida, não parava de gritar e vibrar. Nascia um novo ídolo, espírito
imortal: Victor, o homem de gelo, virava São Victor, um santo! Antes de pegar a
estrada para voltar, fitei o campo, o placar, o céu. Estávamos vivos. Viajei os
60 km de estrada buzinando e, quando cheguei ao sítio, a festa rolava solta.
São e salvo, sem precisar de dirigir mais, pude enfim tomar um verdadeiro porre
e relaxar."
TEXTO RETIRADO DO LIVRO: Sangue,
suor e lágrimas: 13
capítulos de uma saga vista da arquibancada.
Para mais informações: http://www.lulu.com/spotlight/gabriel13