O monstro Jair e os plantadores de crise

Vou começar pela parte boa: como está jogando o Jair. Um jogadorzaço, que pouca gente botava fé e que muitos nem consideravam. Cansei de ver gente falando que precisávamos de mais um volante porque o Jair não podia ser o titular, aliás nem o consideravam na briga, afinal era Pai Véi o Adilson. Esse é um grande mal recente do Galo: não dão tempo ao cara, a não ser, claro, que ele tenha grife. Na verdade parece que todo jogador é ruim até que se prove ao contrário.

Grandes nomes não nascem grandes. Só para citar da mesma posição, alguns nomes que se tornaram grandes mas vieram de times modestos ou da base: Elias (Ponte/ Corinthians), Ralf (Barueri/Corinthians) Paulinho (Bragantino/Corinthians), Henrique (Figueirense/Cruzeiro), Patrik (Sport/Inter), Michel (Atlético-GO/Grêmio)...

Jair tem tudo para entrar nesse hall. Marcador implacável, com qualidade de passe e infiltração. De fato, como lembraram alguns, de estilo muito similar ao Gilberto Silva, passadas largas e cabeça erguida. Aliás, Gilberto Silva que veio do América, em uma disputa acirrada contra o Cruzeiro e que, em um determinado momento, muita gente achou que deveríamos deixar a disputa de lado. Hoje, sem sombra de dúvidas, o Jair é um pilar desse time, titular absoluto e o motorzinho da equipe. Tem sido praticamente impecável, o melhor jogador do time.

Pegando esse gancho, comecemos à parte chata. Não sei se é porque a desgraças atrai mais, ou se é o fenômeno internet/cliques/digital influencers, mas criar crises no Galo parece ser algo muito lucrativo, estão quase criando uma fazenda de plantação de crises. O pior: sem a menor razão de ser.

Não sei se as pessoas são mal-intencionadas ou só burras mesmo. Mas a cada derrota ou revés, tudo é uma merda, o Rui Costa não presta, os jogadores são ruins... até criticar por ter perdido o Luciano (que nem é grandes merdas) para o Grêmio, que está com muito mais grana, criticaram. Aliás, a nova contratação (de graça, ou seja, oportunidade de negócio), nem chegou e já tem nego fritando. 

Por partes. A primeira coisa, quase um pressuposto do esporte, é que não vamos - e ninguém vai - ganhar todos os jogos, nem jogar bem todos os jogos. E é incrível como a tolerância com os times de fora é maior. O Galo ganhou do Botafogo, classificou, e, nos dois jogos, galera criticando mais do que enaltecendo. E quando o Santos é eliminado para o River do Uruguai, ou quando o Fluminense perde com 90% de posse de bola, é só elogios. Bizarro.

Segundo, e não é possível que não enxerguem isso, é uma covardia sem tamanho querer comparar e exigir o mesmo desempenho do Atlético do que Palmeiras e Flamengo. A quantidade de investimento, jogadores e dinheiro entrando é absurdamente maior, enfatize o ABSURDAMENTE. Não temos, e talvez só o Grêmio tenha, condições de competir financeiramente com esses cara. Vocês estão cegos, ou querem o futuro do Galo igual ao presente do Cruzeiro? Pensem em longo prazo! 

Terceiro, a crise que estão querendo plantar no Galo é meio surreal. O Atlético está no G-4 e nas quartas da Sul-americana. O desempenho não está ruim, tampouco o resultado... É difícil compreender que são bons resultados? Estão de sacanagem, só pode. Basta ver os elencos que estão abaixo dele no Brasileirão. Tudo bem, dava para estar melhor no Brasileiro, talvez sejamos melhores que o Santos no papel (Santos eliminado da Sul-americana na primeira fase, e por nós na Copa do Brasil), mas estamos colados nos dois milionários, à frente do São Paulo, Inter, Grêmio, Cruzeiro, que investiram muito mais do que a gente. O desempenho e os resultados são ruins? Sejamos racionais! 

A outra questão é a discussão sobre contratações e sobre o diretor de futebol. Repito, será que os caras não estão vendo o que está acontecendo do outro lado da Lagoa? Aquilo é consequência de irresponsabilidades, o título a qualquer custo. É preciso pensar futebol em longo prazo, como o Flamengo fez e hoje colhe frutos. O Atlético adotou com o Rui Costa uma filosofia para um trabalho neste sentido. E está certo em fazê-lo. Não podemos nem devemos fazer loucuras, como seriam, por exemplo, Tardelli ou Luciano. Mas os caras tem que achar pelo em ovo para ser feliz. Reclamar é esporte.

O principal, no entanto, é o comportamento persecutório com relação aos atletas. Isso é inaceitável. Em outras oportunidades, comentei duas coisas aqui que são recorrentes: a primeira é que parte da torcida do Galo ficou muito chata após 2013/14. A outra é que a torcida do Galo só valoriza futebol bem jogado se o cara já é consagrado, ou já saiu do clube. 

Só pra constar, e falo isso porque SEMPRE o defendi, muito atleticano que hoje chora sua saída, pegava no pé do Dátolo TODO jogo INEXPLICAVELMENTE.

Nada mais imbecil do que valorizar mais o calção sujo do que a bola. O que ganha jogo é bola, futebol. Cansei de ver nego criticar o Rafael Carioca por não dar carrinho. Ele não dava porque não precisava e sigo dizendo que foi o melhor volante que EU vi jogar com o manto. Conhecia demais de bola. Quando a gente assistia do estádio, era notável o tanto que ele jogava sem a bola, mas o calção não sujava... E o Marcos Rocha? Até hoje sentimos falta...

Já disse aqui também que o R10 só não foi criticado porque quando ele chegou ao Galo ele já era o R10. Não precisava dar carrinho, nem jogar bem todos os jogos. De fato, ele jogou muita bola, mas não jogou bem todos os jogos. Deu carrinhos, mas também deixou de marcar várias vezes. Se ele não fosse o fora de série que é, talvez a torcida não tivesse a mesma tolerância.

Também disse que se o Alex tivesse ido para o Galo em 2002, quando era apelidado de Soneca, jamais teria jogado a bola que jogou em 2003. A torcida não deixaria. Hoje se lembram daquela temporada dele (maldita), mas se esquecem que ele não vinha bem, estava de saída, quando o Luxemburgo mandou busca-lo no aeroporto. Aliás, ele veio do Flamengo para o Cruzeiro em baixa. Depois de sair do Palmeiras, onde também foi muito bem, foi apelidado de Soneca justamente por ser "vaga-lume". 

Basta lembrar que o Guilherme bunda chegou em 2010 e até o gol contra o Newells era execrado por muita gente, e olha, coitado, que o Cuca, em determinado momento em 2012, tentou coloca-lo para fazer a função do Danilinho, ou seja, jogador de lado de campo e velocidade. Era óbvio que não daria certo. Depois daquela semifinal, como todo 10 na América do Sul, viveu de bons e maus momentos. 

A propósito, esse é um ponto para se atentar: quase nenhum torcedor está/é satisfeito com seu 10 e almeja o do adversário. Por razões óbvias: um 10 extremamente regular não fica no Brasil. As pessoas esperam que o cara seja genial todo jogo, ou em toda jogada. Isso é impossível. E tem mais: em um dia em que ele é apenas regular, se o atacante for mal, ele vai mal. Explico com exemplos: já vi jogo em que o Cazares acertou apenas dois ou três passes agudos, desses que deixam o cara dentro do gol. Se o cara erra, a atuação do cara passa a ser discreta. Contra o Fortaleza, por exemplo, ele foi bem. De toda forma, ele deixou os caras na cara do gol umas duas vezes, mas o Geuvânio e o Alerrandro não colaboraram. De quem é a culpa??? 

Ninguém é criativo o tempo todo nem acerta o tempo todo. E por que sempre achamos que o 10 dos adversários é melhor? Eu sempre me perguntava isso, até que um amigo cruzeirense, disse uma frase sobre o Thiago Neves - há uns dois anos, é verdade - que elucidou a questão: "ele é jogador de melhores momentos". De fato, os camisas 10 estão muito presentes nos melhores momentos mesmo quando não jogam bem. Então, a percepção de quem não viu o jogo na íntegra ou não está no estádio é muito diferente. 

Quatro exemplos muito claros. O primeiro é o novo queridinho da mídia, o Soteldo. O cara fez uma jogada espetacular e um primeiro tempo muito bom. Quem viu o jogo inteiro, ou estava no estádio, sabe que o segundo tempo dele foi apagadíssimo. Se o Avaí empata, os santistas estariam reclamando da atuação dele. 

O próximo é o Diego, do Flamengo, sonho de muito atleticano, e pesadelo de muito flamenguista. Ele carrega muito a bola, chuta muito a gol, e cruza muitas bolas na área. Está em todos os lances dos melhores momentos, mas, ao ver o jogo, você vê que a maior parte do tempo ele só toca de lado e não é nada produtivo. 

Terceiro, o Lucas Lima. Durante muito tempo aclamado no Santos. Sempre que entra no Palmeiras, acerta um ou dois passes geniais, que vão para os melhores momentos. Veja o jogo na íntegra e vai notar: foram as únicas vezes em que ele pegou na bola durante todo o jogo.

Quarto, talvez mais polêmico, o Vinícius. Fez gols contra o Botafogo, não foi mal em nenhum dos dois jogos. Mas não é o camisa 10. Não é o estilo dele. Ele não cria, a maior parte dos seus passes são laterais, e está muito mais perto de ser um ponta-de-lança, um segundo atacante atrás do centroavante do que efetivamente um meia de criação.

Isto posto, acho que a perseguição desses plantadores de crise ao Cázares é uma covardia. Além de bons números, ele tem tido boas atuações. É óbvio que não é o R10! Mas é muito bom, muito mais bem quisto fora do Galo do que dentro. E digo: inclusive entre os rivais. É óbvio que ele não é constante, não sou cego. Mas, se fosse, há tempos já estaria na Europa. Aliás, apesar dos bons jogos do Vinícius, o Galo perdeu muito em criação e criatividade. São incomparáveis. Um é criador outro finalizador. Por isso, acho que ele deve voltar ao time, mas junto com o Vinícius. Hoje, quem saí é o Otero.

Só para constar, o Elias - outro que é perseguido - aparece nos momentos importantes. Foi bem nas duas partidas contra o Botafogo e é o ÚNICO deste time que catimba, pressiona o juiz, chora, reclama. Pode render mais, óbvio. Mas está longe de ser a draga que pintam.

E vamos acabar com esse cultivo de crises para ir para cima do Cruzeiro. Domingo é um dia de clássico, com muita intensidade e com vontade de pisar no pescoço deles. Afinal, estamos no G4 e podemos coloca-los na zona. Para isso, é preciso correr, contra reservas ou titulares, porque será, seja lá quem for entrar em campo, Atlético e Cruzeiro. Eles sim em uma real crise.

Do nosso lado, sem cultivar problemas desnecessários, porque quem perde com essa merda é o Galo