sexta-feira, 24 de julho de 2020

Deram asas às cobras

No meio da pandemia, até me senti aliviado em escrever, afinal, são memórias muito felizes que venho relatar hoje.

Hoje fazem sete anos do “início do fim” da saga. Não, hoje não é aniversário do título do Galo, que veio nos primeiros minutos do dia 25 de julho. Mas o dia 24 de julho de 2013 foi um dia simplesmente marcante. 

Eu lembro como se fosse ontem e, de fato, não há como não se recordar e nem como não se arrepiar com aquelas memórias. Afinal, o dia 24 de julho foi algo absolutamente diferente na face desta Terra - ao menos nesta cidade. Se dia 25 foi “O dia em que a Terra parou”, a véspera, foi "O dia em que o tempo parou".

Naquela quarta-feira acordei, não lembro que horas, com a cabeça já no Mineirão. A ansiedade era absurda. Não consegui fazer nada de muito produtivo. Não consegui ir trabalhar, não consegui produzir absolutamente nada que não fosse ligado ao Galo. Liguei a televisão e só conseguia assistir aos programas esportivos, que só tratavam, evidentemente, daquela final. Rodava de um lado para o outro, andava dentro de casa. Deitava no sofá, ia para cama, para a cozinha... No meio da tarde, num horário absolutamente atípico, fui à academia, malhar para tentar aliviar a ansiedade.

Nunca vi coisa igual: eram 15:00 e a academia lotada. Surpreendente. Quando ainda era estudante, e podia, vez por outra, malhar neste horário, via a academia sempre vazia. Aquela tarde estava com o movimento de 18:00 (e quem frequenta academia sabe do que estou falando). O mais estranho: eram apenas - ou predominantemente - atleticanos. A grande maioria eu já havia visto na academia de manhã cedo ou à noite. Era claro: todos compartilhavam da minha ansiedade. 

Quando voltei, no hall do meu prédio, encontrei minha vizinha. Atleticana fanática, propagandista laboratorial à época, com roupas de ginástica. O diálogo foi simples, iniciado por ela:

- Como está a expectativa?
- Não consegui nem ir trabalhar. Fui malhar para vê se acalmo
- Eu também. Até tirei dois dias de férias: hoje e amanhã. Não vejo ir a hora de ir para o Mineirão
- Nem eu

Compartilhávamos o mesmo sentimento. Tentei cochilar a tarde, mas não deu. Tentei de tudo, tudo o que você possa imaginar, nada aliviava a ansiedade. Comecei a ligar pro meu primo, que me levaria de carona. E nada, nada, nada. Ele se atrasou. Me buscou na Catalão, em frente à Newton, às 19:00. Quando, enfim, paramos o carro e começamos a vivenciar o clima de jogo ao redor do Mineirão, minha ansiedade, finalmente, acabou. E não há forma melhor de retratar e padsar o sentimento real do que lembrar para vocês o que escrevi naquele dia 24, na vã tentativa de aliviar a ansiedade, Amor e ansiedade.




Então o efeito borboleta se provou eficiente. Estou certo de que se um menino no México tivesse colocado uma gota a menos de pimenta em seu taco, o Galo não seria campeão. Então imagina sobre que acontecia aos arredores do Mineirão…

Lembro de cambistas vendendo - e gente pagando - R$1.000,00 em um ingresso. Não venderia o meu por um milhão. Uma bomba estilhaçou uma lata ao lado da minha perna. Apenas um susto necessário.

Encontrei dois amigos sem ingresso. Um conseguiu comprar por R$500,00 - até hoje não sabemos se é falso ou verdadeiro. O outro, decidiu tentar ir na tora. Quem conhece o Mineirão novo sabe: para chegar nas arquibancadas você precisa passar por três “barreiras” ou portões, antes de chegar à arquibancada. A primeira permite que você entre no cercado que dá acesso à esplanada, em que você é liberado - em dias de eventos - mediante à apresentação de ingresso.

Posteriormente, antes de chegar efetivamente à esplanada, na segunda barreira, a revista. Depois, você vai ao seu portão específico, onde passa o ingresso pela catraca. E, ainda para quem conhece o New Minera, sabe: jogo cheio=confusão. Imagina uma final de Liberta, em uma época que, dentro do estádio, a bebida era completamente vetada.

Na primeira barreira uma confusão enorme, uma fila que ia se afunilando. Aquele meu amigo, o sem ingresso, mostrou, com êxito, uma nota fiscal (lembro que à época o cartão GNV não funcionava como ingresso na catraca, e, mesmo depois que passou a valer, houve um grande hiato entre o cartão valer no Mineirão - funcionava só no Horto).

A segunda barreira foi a mais tranquila. E mais uma vez peço paciência aos que conhecem ao Mineirão para uma explicação aos que não conhecem: a parte das revistas no Gigante da Pampulha é, comumente, a que tem mais fluidez porque é onde tem menos afunilamento: mais corredores ou portões disponíveis.  

Ótimo. Vamos a hora da maior bagunça. Na hora da catraca, muita gente ficou puta: comprou ingresso falso com cambista e, portanto, foi barrado na catraca. Amigo, não ia ter como segurar: o pau cantou e os caras simplesmente liberaram a catraca (meu ingresso desta partida está em casa INTACTO) - bom para o meu conhecido que entrou junto à manada. Aliás muita gente entrou até a PM chegar para tentar ajeitar a bagunça - e, sinceramente, não sei o desfecho da história, mas sei que foi o correto porque o Galo foi campeão, questão de efeito borboleta. 

Naquela confusão, me perdi dos meus primos. Todos havíamos comprado ingresso para a arquibancada superior, mas na bagunça, superior e inferior virou uma coisa só, e eu fui o único a ir para a parte de cima do Mineirão. Àquela altura, pouco importava. Importava que estávamos lá dentro quando o Galo entrou em campo. 

O jogo, inesquecível. As pessoas ao meu lado, eram minhas melhores amigas. Rezamos juntos, vibramos juntos, nos abraçamos. Nos pênaltis, vi nego prometer que iria largar o cigarro, a bebida, a mulher…. Eu mesmo fiz as minhas promessas. Na comemoração, vi os PMs que trabalhavam no jogo, depois de voltar os torcedores que, exaltados, subiram aos telhados dos camarotes para as arquibancadas, ficaram sobre o mesmo telhado filmando a festa da torcida. 

Mas não há como repassar essa emoção melhor do que eu escrevi à época: Os pés do além.

Depois, mesmo sem festa oficial programada, a noite não teve fim e, como esperado, o dia 25 foi feriado forçado em BH. Afinal, como disse aquele amigo meu sem ingresso: deram asas às cobras. Nos deram uma Libertadores. À época ele previu com razão: os pequenos atleticanos não serão mais os mesmos, os caras já nasceram campeões da Libertadores. De fato, nós, com nossos trinta e poucos anos hoje, temos uma perspectiva completamente diferente do que é o Atlético, porque nós vivemos do inferno ao céu. E aquela noite havia sido nossa redenção.

E o alívio e a alegria daquele dia eu descrevi à época, e jamais conseguiria reproduzir novamente com a mesma emoção Eu quero a festa

Então, desde 2013, os dias 24 e 25 de julho, são especiais. Para mim e para todos atleticanos. Obrigado, Atlético, por me permitir vivenciar isso.